terça-feira, 23 de agosto de 2011



Al dente
Em chamas encontro eu

E de olhar-te alastra mais e mais
Ardente que sou, estou
Assim, por ti.

E me queima quando encosto
em tua língua, suavizo o ardor 
Enlouquecida, estou e sou
Assim, por ti.

Porque sou fogo incandescente
Incansável de arder-me em ti
Tocha insolente, al dente
Atrevo-me, sempre sua, sou.

Amanda Oliveira 28/08/2007



A Noite todos os Gatos são Pardos



A noite todos os gatos são pardos, os sonhos são fartos e o futuro é uma certeza de um amanhecer melhor. Esse era o lema do Pitoca que adorava falar essas coisas para mim e para o Chumbinho.
O Pitoca era o mais malandro de nós três, embora fosse o mais franzino e o mais novo. Tinha nascido com essa ginga natural dos esquecidos pelo mundo, um sobrevivente quase que nato. O Chumbinho era o oposto, fechado, carrancudo, arrogante, queria ser sempre o chefe de tudo, da turma, do jogo, da vida. E no meio dos dois, eu, o Caveira. Não que eu fosse magro como o Pitoca, ou assustador como o Chumbinho. Apenas eu gostava de coisas mórbidas, me fascinava o escuro do cair da noite no alto do morro, os urubus sobrevoando alguma carniça jogada no barranco, as vezes um cachorro morto, as vezes o dono. A morte faz parte da vida, para alguns é um meio de vida.
Molecada onde eu me criei é tudo assim, nasce com o sol e dorme com as estrelas. Iluminação é do céu, as outras é para quem pode pagar e nas sombras as coisas acontecem sem que ninguém dê conta. Caminhos tortos e tortuosos que vão nos levando, nos afastando.
Pitoca sonhava ser jogador de futebol, ficar rico, ajudar os pais e a comunidade, jogar capoeira com a meninada e se tornar um grande astro do cinema. Chumbinho só queria se dar bem. Vivia falando das mulheres e dos carrões que teria, uma mansão, um iate igual os que se via na barra, usar terno e gravata, sapato de couro e corrente de ouro.
Eu só sonhava em sair dali, fugir daquela vida, fugir de tudo. Foi para isso que eu desci o morro, tentar a vida. Coisa difícil quando se tem pouco estudo e menos oportunidades. Fui batendo cabeça aqui e ali, me fazendo aos poucos. Dos outros nem me lembrava mais. Subir o morro? Só se fosse obrigado. Não, obrigado, sou do plano. Tenho um plano.

Foi isso que disse pro Chumbinho quando me procurou há alguns dias. Estava encrencado, precisando de grana. Conseguira se fazer na vida sabe-se lá como, estampa na capa de revista, empresário de alguma coisa. Mas o luxo consome mais rápido que o lixo. Ainda assim somos consumidos, consumidores por natureza, usuários alguns, outros apenas de uso ou abuso.
Me dei bem como investigador, federal, mas só isso mesmo. Vi a foto do Chumbinho e tracei a situação. Quando se vive no meio da sujeira não dá pra manter os pés limpos. Não tinha os meus, nem ele. Só problemas precisam de solução. Apresentei para o Chumbinho a minha. Simular seqüestro, dar um golpe na que detinha a grana, apaixonada herdeira de senhor desconfiado, outro safado. Coisa simples de se fazer. Esconder por uns tempos até pagar a grana, dividir no meio o resultado. Ainda mantinha aberto o barraco abandonado. Coisa feita, grana preta, solução a vista.
Aceitou o que não se faz pelos amigos? Ganhar dinheiro no mole. Eu dava um jeito de fazer a coisa acontecer, ninguém nem ia saber. Mas souberam. Não todos, só alguns de boca miuda, que falaram para o Pitoca.

Amigo que é amigo não abandona na dificuldade, quem ia pensar isso naquela cidade? Que amizade às vezes dura muito, lembranças perdidas por uns e jamais esquecidas por outro? O Pitoca não ficou rico, não se tornou astro de filme, mas ajudava a comunidade. Mestre Pitoca, conhecedor da malandragem, amigo pra toda hora. Tinha que ir atrás do Chumbinho, raptado, coitado. Tinha que vir armado.
A noite todos os gatos são pardos, que o diga o Chumbinho que ao ver homem armado se aproximando pensou que era algum comando, atirou sem pestanejar. Eu devia ter previsto, covarde nunca gosta de correr risco, nunca subiria o morro sem estar acompanhado do codinome abandonado.
Pitoca mesmo alvejado, não desistia do seu intento salvador, morar perto do céu por toda vida, dá idéia de redentor. Revidou no tiroteio, sem saber quem atirava.
O sangue vermelho da noite que avança, as trevas azuis da dança de morte, a vida de quem não tem sorte.
A noite todos os gatos são pardos, os sonhos são fardos e o futuro é a incerteza de alguém descobrir o motivo de se perder dois bons amigos da infância que poderia ter sido melhor.


Texto do Danny Marks

sexta-feira, 27 de março de 2009

Lápis de cor





Um dia, te levo, amor...
Ao lugar da nossa infancia,
Onde está o lapis de cor
Que desenhei com constância,
Pra ti uma linda flor...
E que tu, com certa implicância,
Não deu nenhuma importância
Pro meu desenho... Que dor!

quarta-feira, 18 de março de 2009

Luz


Quem me dera um dia ter valores
Como os crentes que rogam só piedade
Sou infame, tenho as maiores dores:
Chagas que vem sangrando essa saudade

Um dia hei de ter meu valor
Construído sobre meu medo, meu fado,
Alentado pelas mágoas que guardei do amor
Que me matou com rosas, punhais de veludo.

E não há certezas nessa vida,
Não há remédio que cure essa ferida
Despi-me dos véus, das máscaras, da dor.

Entreguei-me de corpo e alma em ardor
Desgracei minha vida, perdi meus valores...
Tento reconstruí-los, mas a luz lembra as dores.




terça-feira, 3 de março de 2009

Íntimo




Ando por descalças ruas
Sob fria chuva de outono
Entregando-me ao abandono
Das lembranças que eram suas

Colhendo quimeras cruas
Em jardins vazios, sem dono
Bebendo dor do sulco ao pomo
Tatuando flor em pernas nuas

Suspiro aos sabores do vento
Palavras de prece sentida
Segredos por mim inconfessos

Gotejando o incansável lamento
Que trago na carne ferida
Da crua angústia dos versos

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Ultimo suspiro


Fiapo de vida
Fio de teia
Esticado
Ando... Ando...
Rompendo.

Espelhos enxugam lágrimas
Em meus olhos vejo
Sorriso salgado.
Fiapo de vida,
Fio de teia.
Três cegas, um olho
Tesoura, sangue, veia
Corre ...........(tum, tum, tum)
Descompassado....(tum, tum)
Jorra apressado..(tum)
Esvaziando... calado
Aos poucos desfaz
Fio de vida
Um corte
Olhos
fec
ch
ad
o
s
.
.
.



quinta-feira, 5 de fevereiro de 2009

Silêncio


Um silêncio que sufoca
Que agride e incomoda
Turvando o meu prazer

Um silêncio complacente
De uma mente delinqüente
Invadindo o meu ser

Um silêncio torturante
Que faz uso o militante
Nesta guerra do querer

Um silêncio arrogante
Tem nos olhos o meliante
Que me furta sem eu ter

Um silêncio provocado
Por um ódio mastigado
Que me fere sem saber

Um silêncio que escuta
Meus gritos de lamuria
Sem que nada possa fazer

Um silêncio que abriga
Os desejos de uma vida
Impedida de viver

Um silêncio não ouvisse
Se mil vezes surda fosse
Evitando mais sofrer...